Eu planejei que meu primeiro post seria algo sério falando sobre novas teorias ou questionando aquelas já existentes. Porém, a pedido de alguns preciso comentar sobre o I Security Wine, um encontro de profissionais de segurança da informação regado a vinho.
Estávamos todos lá: enólogos, enófilos, enóchatos e enójados. A promessa da noite era uma experiência capaz mexer com a imaginação, viagem pelos sentidos e sensações. Eu, na qualidade de enójado, apesar de não ter tocado em uma taça, consegui compartilhar todos esses objetivos.
A noite começou na loja de vinhos onde a escolha das garrafas é parte integrante do prazer de apreciar esta "bebida" (até então ainda tinha certeza absoluta que era uma bebida). A conversa com o vendedor variava desde o tipo de uva, país de origem e ano de safra, conceitos facilmente compreensíveis a qualquer tipo de frequetador do encontro, até denominações não tão usuais capazes de confundir a mente daqueles que não estão inseridos no grupo. Procurei seguir o fluxo natural das coisas, rir a todo momento que eles riam e fazer cara de conteúdo toda vez que havia um comentário mais sofisticado. A cara de conteúdo surgia sempre após comentários do tipo "esse vinho não tem estrutura para suportar barril" - é um andaime? Cara de conteúdo! - "Esse vinho é jovem, frutado, aveludado e delicado" - é um EMO? Cara de conteúdo! - "Esse vinho não tem nervo", neste momento quase interrompi para finalizar aquela interminável troca de informações inúteis. Afinal, se for para escolher entre as opções oferecidas, que fiquem com o filé.
Após 50 minutos de denominações abstratas "conseguimos" escolher 4 excelentes vinhos, pelo menos foi o que disseram:
- Rio Sol - Cabernet Sauvignon
- Peter Lehman - Barossa Clancy - um corte de Shiraz, Cabernet Sauvignon, Merlot e Cabernet Franc
- Wirra Wirra - Scruby Rise - Shiraz, Cabernet Sauvignon, Petit Verdot
- Elderton - Comand Shiraz 2000
Chegamos ao restaurante e a turma já estava reunida. Todos a espera da grande aparição de um conjunto de garrafas com tantos adjetivos que em alguns momentos fiquei em dúvida se havíamos ido a uma importadora de vinhos ou um empório indiano. A primeira promessa estava cumprida, pelo menos para mim, fiquei imaginando se alguém havia retirado as garrafas de dentro da sacola e colocado algo carnoso, chato, torrado, áspero e nervoso. Estava em dúvida entre uma picanha para viagem ou um porco espinho.
O encontro começou com alguns assuntos sérios e outros nem tanto. O sommelier da casa chegou à mesa e falou que iria tirar o coteúdo da sacola para deixá-lo respirar. A probabilidade de ser um porco espinho chegou a quase 100%. O conhecedor iniciou seu ritual de abertura da garrafa e expôs todo o conhecimento sobre a cor violácea da jovialidade do vinho, a textura firme da rolha, o cheiro sedutor sentido ao fundo da narina direita num tom (para o cheiro???!!!) lembrando xixi de gato. Pronto! Eu tinha certeza que haviam trocado o conteúdo da sacola.
O momento da viagem pelos sentidos foi a clara afirmação do efeito placebo que envolve o ritual. A primeira garrafa continha pimentão, madeira, casca de ovo, massa oriental, entre outos. Por incrível que pareça a cada momento que um dos participantes nominava os ingredientes, todos os outros identificavam imediatamente cada um deles. Fiquei impressionado com a precisão na identificação e procurei uma explicação lógica. Neste momento até eu já estava sentindo o cheiro e o gosto dos ingredientes sem nem mesmo ter chegado perto da taça (segunda promessa cumprida). Resolvi perguntar o que a pessoa havia almoçado no dia. A resposta não poderia ser mais óbvia: "Yakisoba".
A segunda garrafa continha asfalto derretido, cereja crocante, frutas maduras e pedra friável. Não se preocupem, também não sei o que é isso! Como todos já estavam bêbados resolvi não contrariar. Papo vai, papo vem e a terceira garrafa foi entornada junto com água com gás. Todos queriam pular etapas para o Gran Finale, a grande vedete: Command Shiraz 2000.
O espetáculo do sommelier, que a esta altura já havia entrado na dança da bebida, foi algo fantástico. Toda a história das uvas, iniciando pela teoria do Big Bang, foi explicada nos mínimos detalhes. A composição, o lado do rio que as uvas são mais maduras, a influência da menstrução das baleias brancas no mar vermelho e toda aquela teoria que a esta altura já não precisava ser entoada foram destrinchados para exacerbar os sentidos de nosso amigos ávidos pela degustação. Parece que funcionou!
Os comentários sobre o vinho me levaram a alcançar o terceiro objetivo da noite. Comentários como "remete a suor de cavalo", "remete a couro de sela", "percebo folhas de outono revestidas de caramelo" e "parece grama cortada" me deram a nítida sensação que algumas pessoas estão viajando para fazendas e pastando junto com os rebanhos.
A experiência foi válida, afinal o importante é sentar num bom restaurante para bater um papo e se divertir com aqueles que respeitamos.
Desce um Suvinhom Suvinhom!